Entenda os Impactos da Lei Alemã de Cadeia de Fornecimento para empresas brasileiras

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Por Michele Hastreiter, advogada do Departamento Societário da Andersen Ballão Advocacia

Em 1° de janeiro de 2023, entra em vigor na Alemanha a Lei sobre Due Diligence Corporativa para Prevenir Violações de Direitos Humanos em Cadeias de Suprimentos (Gesetz über die unternehmerischen Sorgfaltspflichten zur Vermeidung von Menschenrechtsverletzungen in Lieferketten, também chamada de Lieferkettensorgfaltspflichtengesetz – LkSG). Apesar de os diferentes sistemas jurídicos nacionais serem, por princípio, territorialmente limitados, espera-se que a nova lei alemã produza efeitos além das fronteiras germânicas e que impacte empresas do mundo todo, inclusive no Brasil.

Sob o ponto de vista formal, a lei será aplicável, em 2023, somente a empresas com 3 mil ou mais empregados na Alemanha e, a partir de 2024, a empresas com 1 mil empregados ou mais naquele país. Ainda que direcionada a empresas alemãs, a lei terá certamente efeitos extraterritoriais, porque obriga as empresas a realizar due diligence para prevenir a ocorrência de violações de direitos humanos em toda sua cadeia de suprimentos, englobando todos os fornecedores de produtos e serviços, desde a extração de matéria-prima, até a entrega do produto acabado ou a prestação dos serviços aos seus clientes.

O cumprimento das obrigações de devida diligência pelas empresas alemãs será fiscalizado administrativamente e, se as empresas não cumprirem suas obrigações, poderão ser multadas e ficar impedidas de contratar com a administração pública na Alemanha.

Assim sendo, espera-se que as empresas alemãs passem a fazer exigências relacionadas ao cumprimento de obrigações ligadas a direitos humanos em suas relações contratuais, impondo os padrões de normativas europeias a seus fornecedores, onde quer que estejam, e obrigações de reparação de danos, quando de sua inobservância.

Ademais, as empresas alemãs sujeitas à lei deverão criar procedimentos para o recebimento de denúncias de pessoas impactadas por suas atividades, na Alemanha ou no exterior. Isso abre espaço para que entidades sindicais e associações da sociedade civil no mundo todo denunciem violações de direitos humanos praticadas por fornecedores locais das empresas alemãs, o que pode tornar-se um meio eficaz de pressão para que eles adotem melhores práticas.

Para casos de violação de direitos humanos por um fornecedor de uma empresa alemã, a lei também estabelece a obrigação de a empresa remediar a violação e adotar medidas para encerrá-la, devendo eventualmente, inclusive, suspender as relações comerciais com o fornecedor como forma de pressioná-lo à conformidade. Nesse contexto, as empresas que fornecem produtos ou serviços para empresas alemãs são incentivadas a adotar políticas internas de direitos humanos para garantir-lhes o atendimento dos padrões exigidos, sob o risco de, em caso contrário, ensejarem uma rescisão contratual.

Enfim, seja para o cumprimento de obrigações contratuais, seja para evitar exposições internacionais em denúncias feitas por entidades locais a suas clientes alemãs ou ainda como uma vantagem competitiva frente a concorrentes, a lei alemã cria incentivos para que fornecedores de outros países se preocupem com suas políticas internas de direitos humanos, mesmo que eles não estejam sujeitos à legislação alemã.

A iniciativa alemã segue recomendações da Organização das Nações Unidas, que, em 2011, aprovou os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos, estabelecendo diretrizes para que as empresas protejam e respeitem direitos humanos, bem como reparem eventuais violações. Em 2017, a França aprovou a Lei de Vigilância n° 2017-399, que também prevê que empresas transnacionais com atuação no país vigiem seus processos produtivos para identificar riscos e prevenir violações de direitos humanos. Ademais, está em discussão no Parlamento Europeu a aprovação de uma Diretiva para que todos os países da União Europeia passem a adotar diretrizes semelhantes.

O dever de devida diligência em matéria de direitos humanos pode, assim, estar traçando o mesmo caminho das normas concorrenciais, de segurança alimentar e de proteção de dados, temas sobre os quais os padrões europeus são considerados referências mundiais. O Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD, também conhecido por sua sigla inglesa GDPR) é um dos principais exemplos do fenômeno batizado por Anu Bradford[1] de “efeito Bruxelas”. A expressão tem sido usada pela autora para designar a capacidade regulatória da União Europeia para impor seus padrões ao restante do mundo, em decorrência de seu poder de mercado, de sua elevada capacidade institucional e de sua predisposição pela adoção de regulações rigorosas como precondição de acesso a seu mercado.

O RGPD resultou na elaboração de normas de proteção de dados em diversos países, além de ter contribuído para reformas de políticas globais de proteção de dados em diversas empresas multinacionais. A nova lei alemã pode ser um indicativo de que um movimento similar está ganhando corpo em torno de obrigações de compliance relacionadas à proteção de direitos humanos impostas a empresas. Assim, as empresas do mundo todo devem estar preparadas para incorporar parâmetros de governança ambiental, social e corporativa (Environmental, Social and Governance – ESG) em seus processos produtivos e criar políticas internas de direitos humanos e manuais de compliance, pois isso poderá tornar-se muito em breve uma condição de acesso ao mercado internacional.