Por Rafael Pereira
Recentemente, a Febraban lançou um livro com propostas para reduzir as taxas de juros praticadas no Brasil e estimular o crescimento da economia. A publicação nasce em meio a um cenário onde a ampliação do debate sobre o tema na sociedade torna-se cada vez mais necessária. Isso porque, mesmo com iniciativas muito bem executadas por parte do Ministério da Fazenda e do Banco Central em relação à queda da SELIC, não foi possível perceber essa diminuição nas taxas repassadas aos consumidores.
A instabilidade do setor econômico, a regulamentação complexa e os altos custos administrativos e operacionais são alguns dos pontos apontados pela federação que acabam barrando essa questão, além da alta concentração bancária. Não conheço nenhum setor, em todo o mundo, em que a concentração traga benefícios para a sociedade e é justamente por isso que esse movimento de abertura ao diálogo começa justo quando o regulador iniciou uma agenda para estimular a competição.
Acho fundamental, no entanto, ressaltar as propostas relacionadas à diminuição da inadimplência que, ao meu ver, é uma consequência do nosso modelo estruturalmente errado e não a grande vilã das altas taxas cobradas, como apontado na publicação. Para entender como o sistema atual estimula essa questão, é só imaginarmos um mercado composto por apenas 2 pessoas – a boa e a má pagadora. O banco tem R$100 para emprestar e decide emprestar R$ 50 para cada uma delas. Como o banco sabe que a inadimplência será alta, ele decide que terá que cobrar 100% de juros nestas operações. Assim, o bom pagador pega R$ 50 emprestado e tem que pagar de volta R$100, sendo que R$50 são só de juros. Nesse caso, como o mal pagador não paga nada de volta, os bancos culpam a inadimplência pelo fato de o bom pagador ter que pagar 100% de juros e mesmo assim o banco não g anhar nada!
Esse cenário faz com que o bom pagador vá ao banco reclamar das altas taxas e acabar ouvindo que não há nada a se fazer pois o problema é a inadimplência. Por muitos anos, as instituições se acomodaram com esse discurso. Com a baixa competição, era muito mais fácil cobrar 100% do bom pagador que não tem outras opções do que ter que brigar para ser mais eficiente.
Atualmente, já podemos identificar iniciativas com o intuito de fomentar uma melhor avaliação do risco de crédito de cada pessoa, e com isso garantir que o sistema como um todo seja mais eficiente, recompensando os bons pagadores. Isso será possível justamente por meio de outro ponto muito importante citado no documento – a melhor utilização de dados por parte das instituições, como é o exemplo do cadastro positivo. Temos muitas informações disponíveis e que podem ser essenciais para melhora da eficiência dos processos de análise de crédito. O Banco Central e o Ministério da Fazenda já têm se mostrado muito favoráveis à essa questão e cabe, agora, o legislativo e o judiciário refletirem esse movimento.
A publicação acerta em cheio quando menciona o famoso “Custo Brasil” e seu impacto no setor financeiro. Nossa sociedade paga mais caro por praticamente tudo quando levamos em consideração o sistema tributário mais complexo do mundo, leis trabalhistas antiquadas, um emaranhado de leis municipais, estaduais e federais que muitas vezes não se conversam, falta de segurança jurídica, etc. Isso é inquestionável e diz respeito a toda nossa economia. Empresários de todos os setores têm as mesmas reivindicações e o setor financeiro se unindo neste mesmo questionamento reforça que uma melhoria estrutural é fundamental ao nosso país.
Na minha visão, ainda é muito difícil apontar quando – e se – as propostas surtirão efeito, ainda mais se não vierem acompanhadas de um aumento da competição no setor. No entanto, o simples fato de a Febraban ter resolvido encarar de frente o tema e iniciar um debate com a sociedade já é um passo muito positivo na caminhada por um sistema financeiro melhor para todos.
Rafael Pereira, Co-fundador e CEO da REBEL, fintech que oferece produtos de crédito online, e presidente da ABCD (Associação Brasileira de Crédito Digital).