Por Alcely Strutz Barroso, Líder do Comitê do Futuro do Trabalho da ABES
A disputa global por profissionais qualificados no setor de tecnologia vem crescendo nos últimos anos. Isso se deve a fatores como a aceleração da transformação digital nas empresas, o desequilíbrio entre a velocidade do desenvolvimento tecnológico versus a quantidade de profissionais formados em carreiras técnicas especificas e a globalização que rompeu barreiras e fronteiras. A pandemia trouxe mais um componente importante para a equação, pois muitas empresas perceberam que o trabalho remoto bem gerido poderia aumentar a produtividade e melhorar a competitividade da empresa no mercado, benefícios da transformação digital. Entretanto, constatou-se um êxodo de profissionais, principalmente aqueles que reúnem maior experiência na área de tecnologia e conhecimento de outros idiomas. No setor de tecnologia, a demanda global durante a pandemia intensificou o êxodo de profissionais de TI, que optaram por trabalhar para empresas globais sem representação jurídica no Brasil.
A mobilidade de talentos já é um fenômeno percebido no mundo há mais de duas décadas, e vem se acentuando com a demanda do uso de tecnologia em vários setores econômicos. Um estudo da FGV Social mostrou que mais da metade dos jovens no Brasil quer se mudar para outro país, por motivos diversos. Hoje, a nova geração busca boa qualidade de vida, segurança, flexibilidade e possibilidades de aprendizado constante. E, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCED), o recrutamento internacional cresceu entre os países participantes, principalmente no segmento profissional com níveis educacionais mais elevados. Também cresceu entre os empreendedores, donos de negócios próprios em expansão e entre estudantes internacionais de ensino superior. Essa é uma consequência da implantação, em alguns países, de políticas de atracão de talentos para suprir a ausência de profissionais altamente qualificados em determinadas áreas, visando acelerar seu crescimento econômico.
O Brasil possui mais de 2300 instituições de ensino superior, algumas fazendo parte da lista das melhores do mundo. No entanto, somente 21% de sua população possui nível superior completo. Entre os países da OCDE, o Brasil é dono de uma das medias mais baixas, sendo capaz de superar apenas outros três países neste quesito. Para ter mais abundância de talentos no país, considerando que sempre haverá um fluxo de migração, medidas urgentes devem ser tomadas para a retenção de profissionais qualificados.
Alguns países têm modelos muito interessantes que apoiam e permitem que jovens ainda nas universidades adquiram experiência profissional facilitando sua inserção no mercado de trabalho e incentivando sua permanência no país. O Canadá possui um programa conhecido como Co-Op (Cooperative Education), oferecido por empresas em parcerias com universidades e com o governo, no qual o aluno intercala os seus estudos com períodos de trabalho na carreira escolhida, fazendo parte do currículo, sendo 4 meses em tempo integral na empresa e 4 meses na universidade. O programa difere dos conhecidos estágios, nos quais o aluno nem sempre tem a experiência na carreira desejada enquanto cursa o ensino superior e não existe integração entre o curso superior e sua atividade na empresa. Algumas províncias contam com outros modelos como o Student Work Placement Program (SWPP) que possui incentivo governamental no custeio da remuneração do estudante local. Os programas contam com o suporte da universidade para o acompanhamento do estudante, o que estimula as empresas a participarem como uma forma de conhecer alunos com potencial de crescimento. Os jovens têm a oportunidade de terminar a graduação com conhecimento e experiência de mercado na carreira escolhida, saindo mais confiantes e estimulados a ficarem no país. Ganham as empresas, as universidades, o governo e o aluno.
Além dessas políticas, quando ainda faltam profissionais, o país também cria políticas para atrair talentos estrangeiros por meio da criação de vistos especiais de imigração. São vistos para profissionais altamente qualificados e empreendedores. É uma forma de suprir mais rapidamente a falta de profissionais em determinados setores como saúde e tecnologia.
No mundo digital a competição é intensa. No quesito competitividade o Brasil precisa melhorar. Segundo o Global Talent Competitiveness Index da INSEAD (2020) o país está na posição 80 de 132 países pesquisados. O que os países melhor classificados têm em comum é uma economia bem desenvolvida, bom desempenho na educação e na empregabilidade.
Diante de um problema complexo, o melhor caminho é a priorização. Esses estudos mostram que educação e melhoria na economia são os fatores propulsores importantes. A ABES vem trabalhando os temas educação e futuro do trabalho, com foco específico em apoiar seus associados e seus ecossistemas e mais amplamente o setor de tecnologia na articulação com o poder público, universidades e empresas. Recentemente foi lançada a Plataforma RH TECH, que disponibiliza cursos de qualificação e requalificação; vagas para pessoas que buscam trabalhos; mostra um panorama onde empresas podem consultar dados sobre remuneração no setor; e ainda um estudo realizado pela ABES em parceria com a IDC sobre a força de trabalho em tecnologia. Esse é um bom exemplo de como criar mais oportunidades para o desenvolvimento de profissionais, utilizando a capacidade já existente no país.
A melhor estratégia para crescer é criar alianças entre empresas, poder público e organizações sem fins lucrativos de excelência em educação para otimizar recursos, trazer mais agilidade e transparência nos resultados. Dessa forma o país será capaz de trilhar um melhor caminho na construção de mais oportunidades, com mais igualdade, uma economia cada vez mais competitiva em nível global, reter e atrair talentos que retroalimentam e potencializam todo o processo de desenvolvimento.
* Alcely Strutz Barroso é Líder do Comitê do Futuro do Trabalho da ABES, Diretora de Desenvolvimento de Negócios da Federação de Negócios Canadenses Brasileiros e Head De Transformação Digital da Voe sem Asas, aceleradora focada em impulsionar o desenvolvimento e a inovação por meio do intraempreendedorismo em corporações e startups.