Venture Capital e startups: os dois lados da moeda

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Por Bernardo Srulzon, diretor de negócios do GetNinjas.com.br

Deixar um emprego formal. Ter uma ideia. Encontrar um co-founder. Criar um MVP. Captar uma rodada de investimento com um fundo de Venture Capital. Este é o processo que a maioria dos empreendedores de tecnologia segue quando está começando um novo negócio, mas poucos de fato entendem a dinâmica destes fundos de investimento e como impactam no dia a dia de suas startups.

Tive a incrível oportunidade de conhecer os dois lados da moeda. Trabalhei na Monashees, um dos principais fundos de Venture Capital brasileiros. Lá pude atuar lado a lado com empreendedores para identificar novas oportunidades de investimento, além de prestar auxílio às empresas que já receberam algum fundo, naquilo que fosse necessário. Hoje, faço parte do time do GetNinjas, desenvolvendo equipes com foco em dados, marketing de performance e produto.

Ao longo dos últimos anos, recebi perguntas sobre os dois lados e espero que esse artigo ajude a consolidar esse conhecimento e sirva como referência para outros empreendedores.

Primeiro, para que servem os fundos de Venture Capital (VC)?

Venture Capital pode ser definido como uma “tecnologia de aceleração de crescimento”. Ou seja, os fundos investem em empresas com potencial para serem muito grandes e injetam dinheiro para acelerar esta jornada em troca de ações da empresa. Este é o caso dos unicórnios brasileiros 99 e Nubank, que em menos de 10 anos construíram empresas que valem mais de U$ 1 bilhão.

De onde vem esse dinheiro?

Na maior parte das vezes, os fundos de Venture Capital investem capital de terceiros, principalmente bancos de investimento, famílias com grande patrimônio, hedge funds e outras instituições financeiras – ou seja, os investidores também possuem investidores! Essas instituições são atraídas para o modelo de venture capital na expectativa de retornos maiores do que as aplicações tradicionais: esperam pelo menos 20% ao ano. Essa é uma forma eficiente de diversificar os investimentos e maximizar o retorno da carteira.

Portfólio: reduzindo riscos

Para conseguir entregar essa rentabilidade, os fundos de Venture Capital também buscam diversificar seus investimentos ao investir em startups de diferentes segmentos – assim, reduzem o risco e conseguem fazer apostas mais ousadas sem prejudicar o retorno final do fundo aos seus investidores.

Um portfólio típico tem de 30 a 50 empresas, investidas ao longo de 5 a 10 anos. São investimentos que demoram para “maturar” (nenhuma empresa grande é construída da noite para o dia), e têm baixíssima liquidez (os fundos não podem retirar o dinheiro da startup após ter investido). Considerando um retorno de 20% ao ano, ao final de 7 anos o fundo precisará ter mais do que triplicado de tamanho!

Como são feitas as decisões de investimento?

Apesar do modelo de portfólio suportar a quebra de algumas empresas sem prejudicar o retorno final, a escolha desse portfólio é crítica para o sucesso do fundo. No momento do investimento, todas têm o potencial de ser o “home run” – aquele investimento que supera todas as expectativas e “paga a conta” das demais empresas.

O principal fator para uma decisão de investimento é o time de fundadores. Mesmo que o mercado seja gigante, que o modelo de negócios esteja bem pensado, um time que não tem visão de longo prazo e capacidade de execução terá chances muito menores de sucesso. Por isso, boa parte das conversas são para entender o que motiva os empreendedores, quais são seus skills, que tipo de cultura incentivam na empresa, quais são seus estilos de liderança, como lidam com situações de incerteza, que relacionamento têm com outros empreendedores, etc.

Smart Money: como investidores agregam valor além do dinheiro

Após o investimento, boa parte dos fundos de Venture Capital brasileiros exerce um papel de consultoria para as empresas investidas – é o que chamamos na indústria de “smart money”. Ou seja, além do dinheiro investido, também pode acelerar o crescimento das startups por meio da sua rede de contatos, ajuda nas contratações de diretores, eventos para networking entre empresas do portfólio, contato para outros fundos de VC, etc.

Um ponto importante é que a decisão final sobre o negócio sempre é do time de fundadores – apesar de ter aportado capital e eventualmente possuir a maioria das ações da empresa, os fundos não costumam comprar o controle da empresa (o que é especialmente verdade nos estágios de Seed, Series A e Series B).

Do outro lado da moeda: a experiência numa startup

Quando fiz a mudança da Monashees para o GetNinjas, tive um choque de realidade, percebi que o mindset e a forma de trabalho de um Venture Capital e uma startup são muito diferentes, apesar de estarem inseridos no mesmo contexto.

Em primeiro lugar, é muito importante escolher bem seu investidor. Existem investidores especializados em um modelo de negócios (marketplaces, software-as-a-service, fintechs, big data, e-commerce, etc), outros atuam com uma abordagem generalista; alguns com experiência “mão na massa”, outros mais distantes da gestão; alguns com “bolso fundo” para investir nas rodadas seguintes, outros focados em estágios iniciais; alguns que se propõe a ser “smart money”, outros que só oferecem o dinheiro. Dependendo de quais são os desafios da empresa, diferentes perfis de investidores podem acelerar seu crescimento de forma mais eficiente.

Segundo, em uma startup você não tem um portfólio – é tudo ou nada. Os riscos são grandes, assim como a expectativa de retorno. E isso muda o mindset dos empreendedores em uma série de fatores:

Gerenciar bem o caixa torna-se uma obsessão, já que esta é uma das principais métricas da saúde de uma empresa. Sem uma posição confortável de caixa, todo o poder de negociação fica nas mãos dos investidores.

A preocupação com a qualidade do time é constante. Precisamos atrair os melhores talentos em todas as áreas e em todos os níveis, então investimos semanas em processos seletivos rigorosos. Confiamos em quem contratamos e damos autonomia para o time tomar decisões importantes.

Os objetivos e metas precisam estar claros. Utilizamos a metodologia de OKRs, em que definimos objetivos e metas trimestrais para todos os times. Os times ficam mais engajados, propõe soluções melhores e continuam alinhados com os objetivos da empresa.

Decisões não podem ser baseadas em “achismo”, então investimos em uma infraestrutura de dados que nos ajuda a tomar todas as decisões importantes de negócio e de produto.

Qualquer um pode ter boas ideias – o que realmente faz a diferença é a execução. Para cada startup bem sucedida, havia centenas de competidores que foram deixados para trás por um time de melhor qualidade, com maior atenção aos detalhes e entregas mais eficientes.

Por fim, uma das características mais importantes de empreendedores bem-sucedidos é a resiliência. Algumas empresas estão construindo novos mercados, novas tecnologias e novas tendências, que podem levar tempo até se tornarem realidade. Os times que lidam bem com o fracasso, que estão preparados para adaptar sua estratégia e trabalhar incansavelmente, são os que provavelmente conseguirão construir grandes empresas.

Após vivenciar os dois lados da moeda, em Venture Capital e numa startup, avalio que ainda estamos desenvolvendo um ecossistema de tecnologia no Brasil, com maior qualificação dos empreendedores, talentos sendo formados pelas principais universidades, crescimento dos fundos de investimento e alguns casos de vendas e IPOs de empresas brasileiras que valem mais de 1 bilhão de dólares. Por isso, trata-se de um excelente momento para investir ou trabalhar em tecnologia no Brasil e incentivo todo mundo a se arriscar como eu.