Por Julian Alexienco Portillo
O surgimento do coronavírus (Covid-19) despertou a atenção de toda população mundial o tom de pandemia, conforme anunciado em 11 de março de 2020 pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Até o presente momento, tanto do ponto de vista científico e prático, trata-se de uma doença altamente contagiosa, criando um ambiente de insegurança generalizado.
Em meio a este cenário global, muitas ações de diferentes setores como governo federal, estadual e municipal, bem como das entidades privadas, empresas e grandes corporações vêm apoiando na contenção do espalhamento maior do vírus, inclusive no setor de telecomunicações brasileiro.
No início de abril, o governo do Estado de São Paulo anunciou um acordo realizado com as quatro principais operadoras de telefonia (Vivo, Claro, Oi e TIM), para monitoramento e localização de aglomerações em formação. O intuito é de atuar na dispersão e recomendação para que fiquem em casa mantendo o isolamento social.
O Sistema de Monitoramento Inteligente (SIMI) identifica em tempo real por meio de conexão entre aparelhos celulares às torres de transmissão do sinal se em determinada região ou área há aglomeração de pessoas, usando somente o sinal do telefone celular.
Através das informações trocadas entre os aparelhos celulares e as torres, é possível identificar locais onde há aglomerações. A partir deste ponto, é possível analisar o percentual de isolamento e conforme o caso, as devidas ações de restrição e avisos à população. O objetivo é aumentar a taxa de isolamento no Estado, bem como permitir a Secretaria de Saúde a realizar o cruzamento de informações com os dados de casos suspeitos e confirmados, administrando as regiões que devem ser dadas mais atenção ou ações específicas.
O monitoramento via celular traz um questionamento latente em relação a privacidade de dados dos usuários da telefonia móvel. O fato é que as operadoras enviam somente informação em porcentagem de aglomeração, ou seja, a quantidade de telefones celulares que estão naquele ponto em determinado horário, como se fosse um mapa de calor, com maior ou menor quantidade indicada para cada ponto em que a torre de celular fornece a cobertura de sinal para cada usuário e não seus dados pessoais ou número de telefone.
A quantidade de torres de celular é importante nesse monitoramento. Nas regiões mais densas existem mais torres, de forma a garantir melhor cobertura ao usuário e consequentemente, um monitoramento mais efetivo, enquanto regiões menos densas e, na maior parte das vezes com menor cobertura, o monitoramento terá um comportamento diferente.
Uma outra questão está relacionada à demanda dos usuários. Quando um determinado bairro ou região possui alta demanda (número maior de assinantes) ou a taxa de reclamação registrada na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), pelos usuários, seja por falta de cobertura, qualidade de sinal ou navegação utilizando dados móveis, uma vez notificada, a operadora deverá realizar testes e análise, desde o ponto de vista técnico para avaliar se o sistema está com alguma falha, ou questões de cobertura e redimensionamento da rede serão necessários a fim de evitar novas reclamações ou, até mesmo, multa pelo órgão regulador.
As eventuais falhas são pontos de partidas para melhorar a cobertura. Porém, a tecnologia empregada pelas operadoras também é utilizada para estudar e avaliar mapas de cobertura da telefonia móvel nas cidades para o dimensionamento de novas torres, indicando onde é necessário ampliar a rede e sua capacidade. As novas torres melhoram a cobertura de sinal e até mesmo suportam o aumento na quantidade de usuários na região, resolvendo questões regulatórias, bem como para atendimento à novas tecnologias como no por exemplo o 5G.
Aprofundando um pouco mais a questão técnica, a fim de entender o monitoramento das aglomerações, quando o telefone celular está ligado, há uma comunicação constante com as torres, a fim de garantir que a experiência do usuário tanto de voz como dados seja atendida, seja parado como em movimento (carro, ônibus, caminhando, etc), buscando eficiência do sistema para garantir que o sinal não caia ou fique enfraquecido. Por isso, essa comunicação constante entre torres e aparelhos é importante, sempre buscando um caminho entre as torres mais próximas, sempre para garantir a satisfatória experiencia do usuário.
Essa comunicação em conjunto com o movimento do usuário, faz com que seja possível coletar os dados de quantidade de usuários em um determinado ponto, ou seu deslocamento, não apenas individual, mas em grupos também. Se considerarmos que todo celular que está conectado à rede, está registrado a uma torre, será esta a maneira de monitorar e medir as aglomerações pelo Governo do Estado.
Por outro lado, temos que considerar que em regiões mais periféricas, onde há menor concentração de pessoas ou até mesmo menor quantidade de usuários, muitas vezes a operadora possui menos torres de celular, sendo apenas o suficiente para atender aquela área específica. Do ponto de vista do monitoramento de aglomerações isso pode não ser efetivo, pois impossibilita detectar movimentação. A princípio todos os usuários estão, ao mesmo tempo, conectados a uma mesma torre, mas se houver deslocamento, será observado um “salto” de números de usuários de uma região, do ponto de vista de distância, bem considerável.
Partindo desse princípio, entende-se que em regiões mais densas, por exemplo, a Avenida Paulista funcionando a todo vapor, certamente será notado alta concentração, seja de pessoas na rua como em escritórios, mas também seu deslocamento ou diminuição de aglomeração, quando esses estiverem indo para suas casas ou se afastando de lá.
Uma característica que devemos considerar é quando o celular está desligado, já que o sistema de telefonia móvel mantém o histórico da última torre em que esteve conectado. E somente reaparece em outro lugar, longe do ponto onde estava quando foi desligado, quando volta a ser ligado.
Essa característica do sistema pode levar a uma interpretação das informações de aglomeração equivocada. Enquanto o celular estiver desligado, não há forma de realizar o monitoramento, não existe mais aquela conexão entre a torre e o aparelho, levando assim a uma falsa interpretação de dados.
Enquanto os celulares estiverem ligados, certamente será possível monitorar. Entretanto, se desligados durante a permanência em determinado local ou em seu deslocamento, será mais difícil rastrear e manter um mapa de concentração de pessoas durante para repasse das informações entre operadora e o Estado. Assim como a interpretação de dados em regiões mais densas e bairros mais centrais, os dados serão mais realistas. Porém, à medida que nos afastamos em direção as periferias, há grande chance de diminuirmos a percepção de aglomeração ou simplesmente dados que revelam as pessoas dentro de suas casas ou em um local com uma cobertura celular mais precária.
Julian Alexienco Portillo, engenheiro de telecomunicações, mestrando em Economia e Mercados da Universidade Presbiteriana Mackenzie e bolsista de pesquisa do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica