Por Isabela Morbach, advogada e cofundadora da CCS Brasil
Começo esse texto com um consenso para que aqueles que têm visões distintas não pulem esse texto por simples discordância. Hoje, julho de 2023, quando esse texto está sendo escrito, todos (ou a maioria) concordam sobre a urgência e a necessidade de reduzir emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE), sob pena de encararmos tragédias climáticas que ameaçam a existência humana tal como a conhecemos hoje. É a consciência do que está por vir que colocou o mundo em uma coalizão nunca vista: um pacto para implementação de projetos e estratégias para reduzir suas emissões de GEE em ritmo acelerado.
A partir daqui, vamos para outro fato: nem tudo é consenso, especialmente quando falamos em estratégia de descarbonização. Os fins podem (ou deveriam) ser comuns, mas há divergências quanto aos meios.
O mundo parece se dividir em times opostos: descarbonizadores versus desfossilizadores. Em um mundo que parece obcecado por manchetes e algoritmos que favorecem pontos de vista polarizados, é fácil esquecer que o meio ambiente, a economia e a sociedade são redes intrincadas de sutilezas e relações complexas. Neste tecido socioeconômico, a descarbonização e os combustíveis fósseis emergem como dois temas que são, aparentemente, antagônicos.
Em um lado, estão os que advogam pela desfossilização total e imediata como a única maneira de mitigar a crise climática. Combustíveis fósseis são apontados como uma herança obsoleta e prejudicial, uma relíquia do Século XX que estamos moralmente obrigados a abandonar. Defendem que os investimentos e esforços sejam direcionados exclusivamente para energias alternativas e renováveis.
Embora o esforço para a ampliação rápida da matriz renovável seja prioridade inequívoca e a pressão por sua implementação seja parte essencial da trajetória de implementação dos projetos, existe um fator que está sendo deixado de lado nessa conta, e que precisa entrar no cálculo de custos econômicos e sociais.
É nesse ponto que proponho uma reflexão: ao escolher a visão focada exclusivamente em renováveis, será que nossa meta está sendo, de fato, descarbonizar a economia ou vilanizar os combustíveis fósseis?
O caminho da transição é multifacetado e requer uma visão mais equilibrada que foque no custo para as pessoas, pois no fim são elas que importam. Por exemplo, é possível considerar a viabilidade de medidas e tecnologias aptas a descarbonizar as principais rotas tecnológicas que utilizam combustíveis fósseis, como a Captura e Armazenamento de Carbono (CCS), que podem viabilizar a exploração de tais recursos de maneira responsável, diminuindo seu impacto climático e alinhado com os objetivos de sustentabilidade.
A ciência e a experiência mostram que podemos ir além. Quando falamos em descarbonização, não devemos nos limitar à mitigação direta das emissões. Podemos, ou melhor, devemos considerar estratégias de sequestro de carbono, como a restauração florestal. Afinal as soluções baseadas na natureza desempenham um papel fundamental no equilíbrio do ciclo do carbono do nosso planeta. A reconstituição desses biomas não só ajudará a compensar as emissões de carbono, mas também trará benefícios significativos em termos de biodiversidade, saúde do solo e qualidade do ar.
No entanto, ambas as estratégias, demandam recursos financeiros significativos para serem viabilizadas. Aqui reside uma ironia palpável. A indústria dos combustíveis fósseis tem a capacidade de financiar essa mudança e manter países em desenvolvimento em rotas de crescimento econômico. Se direcionados de forma adequada, serão os recursos provenientes dessa indústria que podem ser a mola propulsora para a substituição da matriz energética por renováveis e para a restauração dos nossos biomas. Não à toa o termo “transição” tem sido mais utilizado do que meramente “alteração”.
O que nos une é a urgência de combatermos as mudanças climáticas e emissões de GEE. Mas também é inegável reconhecer que uma trajetória de redução bem-sucedida não se limita a substituição por fontes renováveis, mas é aquela socialmente justa e economicamente viável. Significa que precisamos levar em conta os empregos que serão afetados e as economias que não só dependem da indústria de combustíveis fósseis, mas ainda pode se desenvolver através da exploração desses recursos. A descarbonização não pode ser uma desculpa para ignorar as necessidades socioeconômicas da população. E aqui, entra outro conceito que tem conquistado espaço nas discussões internacionais: transição justa.
Por isso, o foco não deve ser a vilanização de uma fonte de energia específica, mas a otimização de seu uso, medindo seu impacto através da quantificação das emissões de carbono, priorizando aquelas que emitem menos, sem comprometer acessibilidade. Para tanto, precisamos mudar nossa perspectiva: não é apenas uma questão de “combustíveis fósseis versus energias renováveis”, mas “quanto carbono estamos emitindo para gerar a mesma quantidade de energia ou produzir um bem?”.
Esta mudança de mentalidade nos leva a uma compreensão mais equilibrada e inclusiva, que coloca a descarbonização como o objetivo central, sem excluir ou demonizar qualquer fonte de energia. Permite-nos avaliar todas as opções disponíveis e reconhecer o valor das diferentes estratégias e soluções. Não nega a necessidade urgente de uma transição energética, mas promove essa mudança reconhecendo a complexidade do desafio e a importância de uma transição justa. Uma transição que não só considera o meio ambiente, mas também a economia e a sociedade.
Ainda há tempo de calibrar nosso discurso e juntar esforços. Sem pré-conceitos, mas com análise e ciência para quantificar e reduzir emissões. Esta deve ser a nova lógica da nossa economia, que orientará nosso caminho para um futuro sustentável e justo. E que seja para todos.