O acesso à internet restrito a determinadas aplicações e conteúdos previsto na parceria do governo com o Facebook contraria a garantia de neutralidade e direitos do consumidor, tais como liberdade de escolha e proibição de venda casada.
Foi o que destacou Flávia Lefèvre Guimarães, conselheira da PROTESTE Associação de Consumidores e membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil, em apresentação na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara Federal, que debateu sobre o acordo nesta terça-feira (30).
“O Facebook não explica durante quanto tempo os beneficiários poderão manter o acesso gratuito e nem quais os critérios serão utilizados para definir as áreas de implantação do projeto”, observa a representante da PROTESTE.
O objetivo real da parceria do Facebook e o governo, para levar internet à população de baixa renda e de áreas isoladas do país, no entendimento da PROTESTE, é fisgar usuários para a plataforma e para as empresas parceiras que atuam na camada de infraestrutura e na camada de conteúdos e aplicações.
De acordo com a conselheira da PROTESTE, o projeto ao se autodenominar de Internet.org, está violando o direito à informação e incidindo em publicidade enganosa, na medida em que:
• Não se trata de acesso à internet, tendo em vista os padrões internacionalmente fixados;
• Não é “org”, tomando-se em conta que esta denominação indica fins não comerciais ou lucrativos;
• O Internet.org é uma versão atual de colonialismo; é uma estratégia para apropriação deste novo meio de produção que é a internet, com vistas a ampliar o máximo possível a mais valia sobre este novo modo de produção;
• A natureza do sistema capitalista é o capital subordinar a seu interesse todo segmento produtivo;
• Ocorre que o resultado do desenvolvimento das relações sociais nesse contexto dão forma a estrutura econômica da sociedade, que é a base objetiva sobre a qual se levanta a superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social;
• Ou seja, “o modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e espiritual em geral. Não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência”;
• É com base nesta realidade que temos de nos posicionar diante das disputas hoje em curso, estando entre as principais a interpretação quanto à abrangência do direito à neutralidade da rede, expresso nos arts. 3º e 9º, do Marco Civil da Internet, e a regulamentação das hipóteses em que os agentes econômicos estão autorizados a quebrar a neutralidade.
• É preciso evitar que a internet se torne um espaço que se presta essencialmente a relações comerciais dominadas por grandes grupos econômicos, que cada vez mais se concentram, pondo em risco o poder de escolha dos usuários, o acesso livre à informação e à cultura e à liberdade de expressão.
A PROTESTE e outras 33 entidades que participam da campanha Marco Civil Já haviam entregue, em maio, carta à presidente Dilma Rousseff com críticas ao projeto Internet.org, implementado pela rede social em países da América Latina, África e Ásia, viola direitos assegurados pelo Marco Civil da Internet (Lei n° 12.965), como a privacidade, a liberdade de expressão e a neutralidade da rede.
Neutralidade da rede
Para a deputada Luciana Santos (PCdoB-PE), que solicitou o debate, é preciso conhecer melhor as consequências antes de se aprovar a parceria: “É necessário que se estudem os impactos de qualquer acordo em relação ao Facebook, porque, a priori, é uma ação social de inclusão, mas isso pode ter repercussões objetivas técnicas no que é uma conquista importante, que é a neutralidade da rede, e qual a repercussão que isso terá no fluxo de informação.”
A neutralidade da rede é um dos direitos garantidos pelo Marco Civil da Internet, que entrou em vigor em 2014. Com a neutralidade, todas as informações que trafegam na internet devem ser tratadas da mesma forma e distribuídas na mesma velocidade. O objetivo é evitar que um provedor de internet filtre a distribuição do conteúdo de determinados sites por motivos ideológicos ou econômicos, por exemplo.
Participaram do debate:
– a conselheira da PROTESTE e integrante do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), Flávia Lefèvre Guimarães;
– a diretora do Departamento de Serviços e de Universalização de Telecomunicações do Ministério das Comunicações (MiniCom), Miriam Wimmer;
– o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Gabriel de Carvalho Sampaio;
– o gerente de Relações Governamentais do Facebook no Brasil, Bruno Magrani;
– a secretária-geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, Renata Mielli;
– a integrante do Conselho Diretor do Coletivo Brasil de Comunicação Social (Intervozes), Veridiana Alimonti;
– o presidente-executivo do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil), Eduardo Levy; e;
– o presidente-executivo da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), Sergio Paulo Gallindo.