Por Peter Pitsch*
O Brasil está em vias de realizar mais um leilão de radiofrequências, as chamadas sobras das faixas 1.800 MHz, 1.900 MHz, 2.500 MHz e 3.500 GHz. Houve uma consulta pública da ANATEL (CP 20) encerrada dia 2 de setembro sobre suas regras. Esta é uma ótima oportunidade para refletir sobre experiências recentes em outros países.
Segundo a União Internacional de Telecomunicações (UIT), existem 7,085 bilhões de assinaturas de telefones móveis no mundo e a banda larga sem fio foi o serviço de comunicação que mais cresceu nos últimos cinco anos, aumentando 428% desde 2010[1]. Estas estatísticas impressionantes sugerem que o valor atribuído ao espectro para banda larga móvel é alto e provavelmente aumentará. Mas alguns observadores questionam se esses números de fato justificam a alocação de mais espectro para banda larga móvel.
Uma base alternativa para a avaliação do valor provável de espectro adicional para banda larga móvel é fornecida pelos recentes resultados do leilão nos Estados Unidos. Lances em leilão têm três vantagens importantes: eles são objetivos, rigorosos e prospectivos. Licitantes vencedores que se propõem a gastar bilhões de dólares para comprar espectro não estão fazendo declarações políticas. Ao contrário, estão fazendo uma declaração sobre o valor presente líquido do espectro adquirido. Ou seja, em um leilão competitivo, a quantidade de dinheiro que empresas estão dispostas a oferecer irá refletir o quanto esperam ser capazes de ganhar ao longo do tempo. Além disso, os licitantes racionais consideram as alternativas possíveis à compra de mais espectro licenciado em um leilão em particular, incluindo a divisão adicional das células, melhorias na tecnologia existente, off-loading em Wi-Fi ou mesmo a espera por um leilão subsequente, para citar algumas possibilidades. E, porque estão gastando bilhões de dólares, os licitantes têm um forte incentivo para analisar rigorosamente essas alternativas e as perspectivas de mercado.
Por essas razões, os resultados recentes do leilão para os chamados Serviços Móveis Avançados (AWS-3) nos EUA são instrutivos. Nessa ocasião, 65 MHz de espectro foi leiloado. As bandas foram divididas em seis blocos. Dois blocos foram espectro não pareado em 1695-1710 MHz, divididos em uma faixa de 5 MHz (A1) e uma de 10 MHz (B1). Os restantes quatro blocos foram de espectro pareado, onde dois segmentos correspondentes de espectro são leiloados em conjunto, uplink e downlink. Os uplinks foram vendidos na faixa de 1755-1780 MHz, e os downlinks na faixa 2155-2180 MHz. Este espectro pareado foi separado em três blocos de 2×5 MHz (5 MHz uplink, 5 MHz downlink), chamados G, H e I, e mais um bloco de 2×10 MHz (10 MHz uplink, 10 MHz downlink), chamado J.
O Escritório do Orçamento no Congresso dos EUA (CBO) estimou que essas bandas seriam vendidas por cerca de 20 bilhões de dólares[2]. Ao final, as faixas foram adquiridas por espantosos 45 bilhões de dólares – e um estudo do Phoenix Center[3] mostrou que poderiam facilmente ter atingido um adicional de 20 bilhões de dólares caso as bandas não pareadas fossem vendidas de forma pareada.
O espectro não pareado foi vendido por consideravelmente menos que o espectro pareado. O chamado A1 saiu por meros 171 milhões de dólares, ou US$ 0.11 PMP, isto é, o preço por MHz por pessoa. B1 foi vendido por 2.26 bilhões de dólares, ou US$ 0.72 PMP. Contrariamente, o espectro pareado foi vendido por significativamente mais. O bloco G foi vendido por 7.41 bilhões de dólares, H por 8,45 bilhões de dólares, I por 8,40 bilhões de dólares, e J por impressionantes 18,2 bilhões de dólares. Os respectivos PMPs foram US $ 2.40 (G), $ 2.70 (H), $ 2.69 (I) e US $ 2.91 (J).
No entanto, os resultados do chamado leilão AWS-3 nos EUA podem ser ainda mais significativos do que parecem à primeira vista. É razoável supor que os licitantes em AWS-3 consideraram os planos da Federal Communications Commission (FCC) para leiloar 600 MHz do espectro atualmente mantido pelas rádios difusoras norte-americanas em um leilão incentivado (incentive auction) no início de 2016. O leilão terá dois lados. A FCC vai comprar espectro de emissoras dispostas a sair da faixa (no leilão reverso), desde que as propostas das operadoras (em leilão) sejam suficientes para pagar os buy-outs e outros custos. Assim, quanto mais as operadoras estiverem dispostas a pagar, mais emissoras estarão propensas a abrir mão de seu espectro.
Enquanto há prós e contras sobre os méritos relativos a cada uma das bandas de espectro em leilão – 1,7 GHz e 2,1 GHz no AWS-3 e as bandas de 600 MHz, ambos os blocos são altamente valorizados pelas operadoras e são substitutos razoáveis sob o ponto de vista de sua aplicação. Assim, licitantes racionais em AWS-3 seguramente ponderaram a possibilidade de participação no leilão incentivado para satisfazer suas necessidades de espectro ao invés da entrada no próprio AWS-3. Como as duas bandas do espectro podem ser consideradas funcionalmente comparáveis sob o ponto de vista das operadoras, as propostas expressas no AWS-3 dão uma indicação sobre o que esperar das propostas que serão feitas no leilão incentivado.
Portanto, como os lances para o leilão AWS-3 superaram as expectativas, tornou-se mais provável que as propostas no leilão incentivado também sejam superiores às estimativas iniciais – e que o leilão incentivado de fato venha a limpar quantidades significativas do espectro de 600 MHz. No entanto, o aumento da probabilidade de uma maior oferta de espectro no leilão incentivado deveria ter distensionado os preços em AWS-3. Ou, em outras palavras, os preços no leilão de AWS-3 implicam valores elevados para ambos os leilões de espectro, mesmo que o leilão incentivado seja muito bem-sucedido.
Assim, os resultados dos leilões de AWS-3 sugerem que espectro adicional para aplicações sem fio nos EUA estão em alta demanda, mesmo na presença de espectro adicional, a ser leiloado no próximo ano. As implicações para outros países podem variar. Por exemplo, colocar ônus legais sobre licenças, tais como requisitos de implantação de rede para acesso ao espectro pode reduzir valor de propostas vencedoras. No entanto, parece razoável concluir que em países desenvolvidos, no curto prazo, e em países em desenvolvimento, no futuro, o espectro de banda larga sem fio continuará altamente valioso.
*Peter Pitsch é diretor global de políticas de telecomunicações da Intel