IoT – Internet das Coisas. E o Brasil? – Por Francisco Camargo

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Mais estímulo, mais monitoramento, mais inovação, menos regulamentação

A (VELHA) INTERNET

Em 1996, mais de 20 anos atrás, o presidente dos EUA na época, Bill Clinton, editou o Administration’s Telecommunications Act of 1996, organizando a confusão inicial e lançando as diretivas que permitiram entrarmos na era da Internet. Essa regulamentação acreditava que as forças de mercado e a inovação tecnológica eram os motores da moderna internet. Foi um incrível ato de maturidade política, mesmo nos EUA. Seus autores sabiam que alguma coisa impressionante estava para acontecer e o governo prestaria um grande serviço, ficando quieto, deixando a inovação e o investimento privado florescerem.

Ninguém previu o alcance, as mudanças econômicas, sociais e culturais que se seguiriam nesses 20 anos, desde o advento das lojas virtuais, o fim dos jornais e revistas, a entrada na era da economia compartilhada, os smartphones, o fim das grandes bibliotecas dos escritórios de advocacia, e muito mais.

A NOVA INTERNET

Uma nova internet está aparecendo no horizonte. O espectro da Internet das Coisas assombra o mundo. Como todo processo exponencial, ninguém é capaz de prever o que vai realmente acontecer. O IDC prevê um crescimento de 17,5% ao ano. A IHS estima que o mercado de IoT crescerá de 15,4 bilhões de dispositivos conectados em 2015 para 75,4 bilhões em 2025.

Como há 20 anos, alguma coisa impressionante está novamente acontecendo.

Em 2010, nascia a Nest Labs com a ideia de um termostato inteligente, conectado à Internet para manter as casas europeias aquecidas no inverno, com o menor consumo de energia. Evoluiu para câmeras conectadas, impressoras conectadas e, de repente, temos 17,5 bilhões de dispositivos conectados hoje em dia.

As “coisas” conectadas seguem a se multiplicar e enriquecer nossas vidas: eletrodomésticos, dispositivos médicos, automóveis inteligentes, lâmpadas inteligentes, dispositivos vestíveis e todo tipo de equipamento industrial já estão se conectando e apresentando um estimulante cenário para a inovação, para os negócios, para o poder público, gerando novos benefícios para a sociedade.

IoT NO BRASIL

A iniciativa do MCTIC (Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações) em ouvir a sociedade brasileira por meio de uma Consulta Pública para a construção de um Plano Nacional da Internet das Coisas (IoT, em sua sigla em inglês) é louvável, sendo que alguns pontos que permeiam a consulta pública merecem atenção para o futuro desse plano e para entender se ele vai, realmente, dirigir o esforço nacional ou vai ficar somente no papel.

O desenvolvimento da IoT no Brasil merece estímulo e monitoramento, mas sem a necessidade de regulamentação específica, pois não vamos criar um PAL-M do IoT. Por outro lado, a participação brasileira em organismos internacionais, batalhando por padrões abertos e não proprietários é essencial.

Muitos dos desafios colocados por aplicações e soluções baseadas nessa tecnologia tal como a segurança da informação e a proteção de dados pessoais estão sendo tratados por legislações específicas (Marco Civil da Internet, Código de Defesa do Consumidor) ou já são motivos de discussão legislativa (como os projetos para a criação de uma Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais).

Como a tecnologia e as suas diferentes possibilidades de uso evoluem rapidamente, a imposição prematura de padrões e regulamentação específica para IoT criariam restrições que seriam prejudiciais ao Brasil e poderiam sufocar a emergência de novas aplicações nessa área.

Por que o governo deveria certificar produtos de uso de espectro de rádio em que o alcance é curto e a potência mínima (Bluetooth, NFC, WiFi) e mesmo sem uso de rádio – dispositivos meramente passivos, como os GPONS (Gigabit passive optical network)?

A ANATEL tem que cuidar de coisas muito mais importantes como a Segurança Jurídica das Concessões Públicas, da formação de carteis e monopólios, do livre fluxo de dados e metadados, da cobertura celular e de dados, da otimização das ERB’s (Estações Rádio Base), de concessionárias importantes em difícil situação financeira e não de pequenos dispositivos de IoT.

A emergência da IoT é uma oportunidade ao desenvolvimento econômico brasileiro para modernizar a indústria e torná-la mais competitiva, para melhorar a prestação de serviços e torná-lo mais produtivo, para tornar as cidades mais inteligentes, melhorar a educação e a saúde públicas, para tornar o governo mais produtivo e menos burocrático.

Esta é a oportunidade para o governo brasileiro perseguir um planejamento de médio e longo prazo para o desenvolvimento do ecossistema de IoT no país e para criar soluções financeiras engenhosas para a capitalização e fomento de todo esse ecossistema.

Temos a inteligência e a criatividade para conseguirmos a inserção mundial do Brasil no mercado global de IoT, sobretudo no que tange à exportação de software e serviços, desde que persigamos em organismos internacionais as regras e padrões que melhor atendam nossos interesses, lutando contra padrões proprietários ou regionais.

Os setores de software e de serviços de tecnologia da informação são essenciais para o desenvolvimento da IoT no país. Em IoT, o dispositivo mais simples é o beacon, que é apenas um farolete emitindo Bluetooth, e somente com software se transforma em algo útil.

Segundo o estudo Mercado Brasileiro de Software e Serviços 2016, produzido pela ABES em parceria com a IDC, o mercado de TI no Brasil cresceu 9,2%, em 2015, enquanto que a média de crescimento global foi de 5,6%. Somente o segmento de software cresceu 30% entre 2014 e 2015, ano em que o país enfrentou uma recessão econômica com queda do PIB superior a 3%.

INTERNET DAS COISAS CONECTADAS

De certa forma, a emergência da IoT hoje apresenta as mesmas características dos primórdios da Internet quando estávamos aprendendo e desenvolvendo novos produtos e serviços que permitiram a explosão de conhecimentos atuais e o aumento brutal dos dados e da produtividade mundial. Eventuais lacunas devem ser trabalhadas, sempre que possível, pelos mecanismos tradicionais de mercado, como auto-regulamentação, contratos padronizados, sempre com foco na competição e na livre-iniciativa.

A cooperação com entidades internacionais e com outros países para identificar áreas de interesse comum, visando participar da definição de normas, padrões e protocolos abertos, desencorajando, sempre que possível, medidas unilaterais de criação de normas, protocolos, padrões, como, por exemplo, a localização forçada de dados em determinadas áreas geográficas, são bem-vindas e teriam alto potencial para beneficiar as tecnologias emergentes, tal como a IoT made in Brazil.

Essas medidas poderiam ser fonte de estímulo e fortalecimento do Brasil como exportador de serviços de tecnologia de informação com soluções de IoT escaláveis globalmente.

CIBER SEGURANÇA E ANALYTICS

Dois pontos críticos ressaltam nas aplicações de IoT: a Segurança (cyber security) e a Análise (Analytics) estatística de dados e metadados originados nos bilhões de dispositivos conectados, que vai permitir extrair o máximo da IoT.

Como Cyber Security, Analytics acabou virando um ramo à parte, fortemente informado pelo Big Data, que permite encontrar correlações além daquelas imaginadas pelos formuladores dos modelos estatísticos.

Ligadas à segurança, mas que devem ser tratados à parte, estão a privacidade e a proteção de dados pessoais. Não existem privacidade e proteção de dados sem uma excelente segurança cibernética. A segurança é condição necessária, porém não suficiente para garantir a privacidade individual.

Ética Corporativa, Leis, Regulamentações, Governança e Compliance são necessárias para se assegurar a privacidade e proteção dos dados.

Os formuladores de políticas públicas deveriam encorajar práticas de desenvolvimento seguro de aplicações. A segurança deve estar inserida no projeto, “security by design” ou quando isso não for possível pelo alto custo de desenvolvimento ou pela urgência em se chegar ao mercado, estimular a Auditoria de Segurança do Código das Aplicações, que permite identificar as vulnerabilidades críticas introduzidas no código.

INTERNACIONALIZAÇÃO

Só a internacionalização proporcionará aos empreendedores brasileiros a escala necessária para atuar eficientemente nessa nova internet. No mundo conectado de hoje, o comércio internacional simplesmente não funcionaria sem os fluxos constantes de transferência de dados entre as fronteiras nacionais.

O livre movimento dos dados permite às empresas brasileiras de todos os tamanhos e de todas as indústrias trazer e levar inovações ao mercado global, guiar seus investimentos, crescer e criar empregos. O fluxo de dados transfronteiras permite, particularmente, às pequenas e médias empresas, competir na economia global por meio do acesso a produtos e serviços digitais, tais como as aplicações em nuvem, reduzindo o custo da infraestrutura necessária.

A tarefa de conectar bilhões de dispositivos entre uma multidão de diferentes atores é demasiadamente complexa. Para tanto, ganha relevância o estímulo à adoção de padrões abertos tanto em termos de conectividade de dispositivos quanto de redes, por meio do qual se avança rumo à interoperabilidade global, que é a habilidade das “coisas” se comunicarem entre si de maneira concisa e eficiente. Devido à complexidade e amplitude dos sistemas e conexões baseados em IoT, não é aconselhável que busquemos padrões próprios, mas que, antes, nos apoiemos nos padrões globais universalmente reconhecidos.

RECURSOS HUMANOS

A educação no país segue sendo um desafio, mas todas as soluções para a melhoria da educação nacional são de longo e médio prazo. Por outro lado, recursos humanos valiosos, encontram-se espalhados pelo país ou no exterior.

É bom não subestimar a força da diáspora brasileira de cientistas, técnicos e empreendedores nos EUA e Europa. Um censo desses recursos, que poderiam ser recrutados remotamente, permitiria encontrar um atalho para as deficiências da educação nacional.

ESTRATÉGIA

Qualquer que seja o plano final para a IoT no Brasil, alguns pontos importantes devem ser levados em consideração:

1. Estímulo ao empreendedorismo e à inovação, com um mínimo de novas e velhas regulamentações;

2. Adesão a organismos internacionais para o desenvolvimento de padrões abertos, evitando padrões proprietários e regionais;

3. Criação de novos instrumentos financeiros que permitam capitalizar e financiar este novo ecossistema, sem aumentar o risco e o custo para o governo e o BNDES. Não adianta o BNDES repassar recursos a custo baixo a empreendedores e os bancos intermediários cobrarem del credere de 12% ao ano;

4. Estimulo para melhorar a segurança dos clientes finais, seja através das práticas de desenvolvimento seguro, seja através da auditoria de código e adoção de padrões quanto à comunicação máquina-máquina, dificultando ataques de hackers;

5. Estimulo à utilização dos Recursos Humanos brasileiros, disponíveis aqui e no exterior, retirando-se as barreiras hoje existentes quanto à terceirização e quarteirização de mão de obra especializada;

6. Estímulo para a adoção de Códigos de Ética e Governança Corporativa quanto à preservação da privacidade dos dados individuais das pessoas e seus dispositivos;

7. Fomento igual ao desenvolvimento de hardware e software, inclusive em linhas paralelas, mas essenciais, como cyber segurança e analytics para IoT.

8. E mais importante de tudo, é que o plano seja seguido pelo governo atual e os que o sucederem.

Em vista de todos estes pontos, pode-se observar que existem grandes desafios a serem considerados no Plano Nacional de IoT, mas o fato é que o setor de TI tem um papel essencial para o desenvolvimento dessa tecnologia e sua inserção nas cadeias globais de valor deveria ser objetivo de políticas públicas de estímulo e de fomento.

O setor não precisa de mais regras (desde a constituição de 1988, os governos, nos três níveis criaram 5 milhões de regulamentações e regras, criando um cipoal difícil de interpretar) e sim que o Estado paute suas ações convicto do seu importante papel de indutor do desenvolvimento e da necessária segurança jurídica para os empreendedores.

Francisco Camargo. Presidente da ABES – Associação Brasileira das Empresas de Software. Engenheiro de Produção pela Escola Politécnica, o executivo tem especialização pela Harvard University. Francisco é também Fundador do Grupo CLM, Distribuidor latino-americano focado em Segurança da Informação, Infraestrutura Avançada e Analytics.