Por Marcos Villas
O conceito de “Indústria 4.0” surgiu de uma iniciativa estratégica do governo federal da Alemanha em 2012, com o objetivo de manter seu protagonismo e competitividade no fornecimento de soluções para indústrias em todo o mundo. Hoje, as empresas de consultoria em estratégia e os fornecedores de soluções para indústrias utilizam “Indústria 4.0” para denominar o conjunto de tecnologias operacionais (instrumentação e controle) e de tecnologias de informação que, na visão de cada um deles, traz uma revolução na forma como a produção é realizada nas empresas.
Não menos relevante na ótica da Indústria 4.0 é a utilização de tais tecnologias de forma integrada, com conectividade entre seus elementos e interoperabilidade entre sistemas: do chão de fábrica às decisões estratégicas (integração vertical) e do projeto de um produto até o seu descarte, segundo as etapas do ciclo de vida de produto (integração horizontal).
Um aspecto chave da integração horizontal é o compartilhamento de informações relativas a produtos. Em todas as etapas deste ciclo (ex: projeto, produção, armazenamento, utilização, suporte e aposentadoria) há stakeholders (empresas e organizações) que geram ou utilizam informações sobre os produtos: fábricas, fornecedores, empresas de logística, clientes e empresas de manutenção, entre outras.
Por onde passam, os produtos deixam rastros. Quanto melhor for o processo de rastreabilidade de um produto, melhor será a qualidade das informações de seu histórico. Mas como e onde guardar este histórico? Suponha que cada produto tenha uma identificação única, definida universalmente (isto é, todos os stakeholders utilizam a mesma identificação para um dado produto). Cada stakeholder pode ter o seu próprio banco de dados e manter o seu histórico do produto. Neste cenário, a integração horizontal só acontecerá se os stakeholders tiverem acesso a todos estes bancos de dados. Uma outra alternativa é ter apenas um banco de dados, de responsabilidade de um dos stakeholders. Para esta alternativa ter sucesso é necessário haver mecanismos consistentes e confiáveis de governança e de autenticidade de dados. As duas alternativas podem funcionar, mas você deve estar se perguntando: há alguma alternativa melhor. Sim, há: os blockchains.
A tecnologia Blockchain foi criada em 2008 como forma de registrar todas as transações (ex: transferências) já realizadas (ou seja, o histórico) com as unidades da moeda virtual Bitcoin. Com os princípios da anarquia em seus fundamentos, sem confiar em uma entidade centralizadora para ser o fiel depositário de tal histórico, os blockchains do Bitcoin foram projetados para serem necessariamente distribuídos e digitalmente assinados por cada um que realize operações com esta moeda. Há múltiplas aplicações da tecnologia Blockchain fora da área financeira. Por exemplo, empresas buscam certificar a procedência de produtos alimentícios, como pretende a Wallmart na China ao rastrear a produção de carne suína por meio de blockchains.
Blockchains podem ser a resposta para “como” e “onde” guardar históricos de produtos, para melhorar a integração horizontal de informações no ciclo de vida de um produto na Indústria 4.0. Nas chamadas “redes permissionadas”, empresas são convidadas para compartilhar e registrar dados de um produto em um mesmo blockchain: uma fábrica pode registrar dados de projeto e produção, uma empresa de logística pode registrar dados de transporte e armazenamento, clientes podem registrar dados de utilização, empresa de manutenção podem registrar dados das atividades de suporte (corretivas e preventivas) e, por fim, empresas de descarte e reciclagem podem registrar o destino final de um produto. Todas as transações já realizadas com um produto estão em um mesmo lugar. É o prontuário eletrônico do produto. Assim como os profissionais de saúde podem realizar melhor suas atividades quando têm acesso ao prontuário eletrônico de um paciente, os stakeholders em um ciclo de vida de produto também podem se beneficiar de um blockchain “centrado em produto”. Em um blockchain de produtos a responsabilidade pelas informações é distribuída, pois cada parte assinará digitalmente o que acrescentar ao histórico e todos têm uma cópia desse histórico, o que traz mais resiliência à solução, pois não há um ponto único de falha.
Em breve, quem estiver participando de uma determinada cadeia produtiva poderá, de forma metafórica, pegar um produto e colocá-lo na altura dos olhos, tal como supostamente o personagem Hamlet de Shakespeare fez ao contemplar um crânio, e perguntar: “De onde você veio? Qual é a sua estória?” A resposta estará no blockchain do produto.
Marcos Villas é M.Sc. em Computação, D.Sc. em Administração, sócio-fundador da RSI Redes (www.rsiredes.com.br) e professor da PUC-Rio.