O Banco Central do Brasil publicou, em 30 de agosto, uma proposta de regulamentação para operações de crédito feitas por meio de plataformas financeiras independentes, as fintechs. Segundo dados do FintechLab, o setor cresceu mais de 350% nos últimos 18 meses e, com a regulação do Bacen, pode ganhar duas novas categorias e conceder empréstimos com capital dos próprios acionistas (SCD) ou conectar investidores a tomadores de recursos, modelo conhecido como Peer-to-Peer Lending.
Em pronunciamento, o diretor de Regulamentação do BC afirmou que o processo de inovação é visto com bons olhos e a regulamentação tem o objetivo de garantir maior segurança aos envolvidos nessa operação.
De acordo com a proposta do Bacen, as empresas de Peer-to-Peer Lending, agora denominadas de Sociedades de Empréstimos entre Pessoas (SEP), seriam definidas como instituições financeiras com autorização para realizar operações de empréstimo entre pessoas por meio de plataforma eletrônica, além de poderem realizar análise de crédito e cobrança, atuar como preposto de corretor de seguros e emitir moedas eletrônicas, tudo relacionado às suas operações.
Além da natural advertência de que a SEP deverá dispor claramente sobre os riscos da operação para os potenciais credores e devedores, o Bacen propõe expressamente que a SEP não deverá disponibilizar aos potenciais devedores recursos próprios, ou mesmo prestar qualquer garantia e/ou coobrigação, devendo obrigatoriamente seguir os seguintes passos: (i) obtenção da manifestação inequívoca da vontade das partes; (ii) disponibilização dos recursos pelos credores; (iii) emissão de instrumento representativo do empréstimo; (iv) cessão ou endosso do instrumento representativo do empréstimo para o credor e, só então, (v) a transferência dos recursos ao mutuário.
Outro ponto relevante é que, além do limite de tomada de crédito do possível devedor, a ser estabelecido pela SEP, o Bacen propõe um limite de R$ 50 mil para a exposição do possível credor, ou seja, uma pessoa somente poderá emprestar até R$ 50 mil dentro da plataforma de uma SEP, salvo no caso de investidores qualificados. Ainda que se discuta eventuais alterações desse limite durante o período de consulta prévia da resolução proposta, fica claro a intenção do regulador de não permitir que o modelo do Peer-to-Peer Lending cresça ao ponto de criar um significativo risco ao Sistema Financeiro Nacional. Nesse sentido, o Bacen ainda propõe um limite mínimo R$ 1 milhão que as SEPs e as SCDs deverão manter em relação ao seu capital social integralizado e patrimônio líquido.
Segundo aponta Kaue Cardoso de Oliveira, sócio da Scharlack Advogados e especialista em Direito Societário, M&A e Venture Capital, ao disciplinar o procedimento de concessão da autorização de funcionamento dessas sociedades, o Bacen propõe reservar a si um considerável grau de discricionariedade na análise do pedido de autorização de funcionamento, o que, desde já, demonstraria sua preocupação em evitar que essas fintechs causem danos ao Sistema Financeiro Nacional.
Conforme alerta Kaue, “além do risco ao Sistema Financeiro Nacional que o oferecimento de crédito sem a devida análise pode proporcionar, uma preocupação constante dos órgãos regulamentadores também é prevenir a prática de crimes financeiros, inclusive relacionados à lavagem de dinheiro. Nesse sentido, a despeito da proposta do Bacen não faz nenhuma menção a esse tipo de controle, as plataformas de Peer-to-Peer Lending devem sim se preocupar com a estruturação de mecanismos de compliance, devendo observar a aplicação cogente da Lei 9.613/1998”.
“A exemplo do que ocorreu recentemente com a regulamentação do Equity Crowdfunding pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), espera-se que o mercado contribua de forma positiva para a construção da regulamentação e, portanto, a proposta apresentada pelo Bacen ainda poderá sofrer diversas modificações”, completa Kaue.