As fintechs e os desafios do coronavírus

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Por André Fernandes Lima 
Muito tem-se falado, nos últimos dias, de uma figura recente no mercado financeiro brasileiro: as fintechs. Mas o que são as fintechs? Segundo o conceito apresentado pelo Banco Central, são empresas que introduzem inovações nos mercados financeiros por meio do uso intenso de tecnologia, que atuam em plataformas online. Existem diversos tipos de fintechs, por exemplo, de crédito, de pagamento, de investimento, de gestão financeira, de câmbio, de seguros, entre outros.

Desse universo de fintechs, as de pagamentos (instituições de pagamento) são as que têm sido citadas em diversos canais como sendo uma forma para a viabilização de parte dos pagamentos do coronavoucher (termo pelo qual ficou conhecido o auxílio emergencial de R$ 600 mensais pelo período de 3 meses, concedido pelo governo federal aos cidadãos que atendam aos critérios estabelecidos), com vistas a evitar a concentração dos pagamentos através de poucos bancos. Esse tipo de fintech trabalha, fundamentalmente, com meios de pagamento (transferências, recebimento de taxas, de pagamentos presenciais e digitais, de conta digital, sem depender de um banco, entre outros). Com isso, os profissionais autônomos e microempreendedores individuais, por exemplo, que trabalham com as “maquininhas” para recebimento de suas vendas e dos serviços prestados, poderão receber o crédito do benefício assim como se houvesse realizado uma venda, ou prestado um serviço.

A fintech, em determinado momento de sua existência, pode optar por se transformar em uma instituição financeira, sendo que para tal, necessita de autorização do Banco Central, passando a sujeitar-se à regulamentação estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional e sujeitando-se à fiscalização por parte do Banco Central. Segundo estatísticas da autoridade monetária, o número de fintechs que optaram por se transformar em instituições financeiras (de pagamento e, também de crédito), passou de uma instituição, em dezembro de 2016, para vinte instituições, em fevereiro de 2020. Mas além dessas, existem centenas de outras fintechs que atuam sem haverem se transformado em instituições financeiras, podendo vir a sê-lo, ou não, no futuro, a depender da estratégia de cada uma. Para se ter uma ideia do tamanho desse ecossistema, em junho de 2019 havia, segundo a Fintechlab, mais de 520 fintechs em atividade no Brasil.

A crise decorrente do coronavírus tem-se mostrado desafiador para praticamente todos os setores da economia, mas quando falamos nas fintechs, esses desafios podem ser maiores, dada a característica de tratarem-se de empresas, via de regra, constituídas há menos de 10 anos (muitas delas ainda são startups), que estão enfrentando sua primeira crise no mercado e, portanto, a depender da habilidade de seus gestores em administrar um cenário turbulento, podem enfrentar dificuldades em continuar desenvolvendo suas atividades de maneira a sustentar a sobrevivência do negócio.

Outro desafio que pode se apresentar a uma fintech é quanto a uma eventual necessidade de captação de recursos para sustentar seus investimentos, seja em crescimento de atividades, seja em desenvolvimento e aperfeiçoamento de tecnologia. Com a incerteza decorrente da crise, os investidores tornam-se mais avessos a risco e, portanto, comportam-se de maneira mais seletiva quanto à análise e concessão de recursos (ideia similar à que se tem visto no mercado de crédito bancário), podendo ocasionar uma escassez de oferta de capital para financiar o crescimento da fintech.

Por fim, um outro desafio que se apresenta às fintechs, neste caso às que atuam na intermediação entre devedores e credores por meio de negociações realizadas eletronicamente (as Sociedades de Crédito Direto – são 14 atualmente, de acordo com o Banco Central – e as Sociedades de Empréstimo entre Pessoas – 5 atualmente), é quanto a um potencial aumento no volume de inadimplência na carteira administrada pela fintech. O crescimento, acima dos níveis adequados à saúde financeira do intermediador financeiro, pode levá-lo à bancarrota.

Há que se considerar, contudo, que o ecossistema das fintechs é, a médio prazo, bastante promissor, afinal é conhecida a tendência ao uso cada vez mais intenso da tecnologia, no cotidiano em geral e, em específico, nas transações financeiras das pessoas. A Pesquisa FEBRABAN de Tecnologia Bancária, apresentada no ano passado, demonstra que o uso de ferramentas tecnológicas na vida financeira das pessoas tem crescido substancialmente. As transações bancárias realizadas pela internet e tecnologia móvel representavam 47% do total das transações bancárias em 2014, participação que aumentou para 60% em 2018. Note-se, aqui, o crescimento, nesta composição, das atividades em mobile banking (aplicativos de telefone), que passou de 10% para 40% do total. Um crescimento bastante significativo e que sinaliza, de maneira clara, a tendência de uso cada vez mais intenso de tecnologia, meio que as fintechs dominam e que faz parte de seu habitat.

Essa mesma pesquisa da FEBRABAN mostrou, também, um crescimento de 119% no volume de transferências de dinheiro entre contas, entre 2017 e 2018 (foram 394 milhões de transações em 2017 e 862 milhões de transações em 2018), através da tecnologia Mobile banking. O pagamento de contas por essa tecnologia também cresceu substancialmente, passando de 872 milhões de transações em 2017 para 1,6 bilhão de transações em 2018.

Esses números são uma pequena demonstração de que o cenário estrutural, de crescimento do mercado para as fintechs – embora possa ser afetado pela conjuntura da atual crise – segue sendo promissor, de tal forma que, após a tormenta, as fintechs poderão retomar o passo dos investimentos necessários ao seu crescimento.

André Fernandes Lima, mestre e doutor em Administração de Empresas, pós-graduado em Economia Aplicada à Administração e Finanças e graduado em Ciências Econômicas. É professor das disciplinas de Finanças Corporativas e Mercados Financeiros na Universidade Presbiteriana Mackenzie.