A história se repete

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Por Rafael Pereira Dubiela*

Por muitos anos, quando éramos jovens, ouvíamos incansavelmente que vivíamos no “país do futuro” e que logo chegaríamos aos tempos modernos. Com os anos, envelhecemos, e cada vez mais nos parecemos com nosso passado.

A OMC fará sua primeira grande negociação, depois de 18 anos. Essa negociação envolverá a redução e, em alguns casos, a eliminação das tarifas de importação em aproximadamente 80 países. E estamos de fora dessa! De novo.

Em entrevista recente, o atual presidente da Associação Brasileira da Industria Elétrica e Eletrônica, Humberto Barbato, afirmou categoricamente que nunca foi “de nosso interesse” participar desse acordo, uma vez que o mesmo ameaçaria a integridade de nossa indústria eletroeletrônica.

A última vez que isso aconteceu foi no ano de 1984 – e seus efeitos estimados foram de 20 anos de atraso em todas as áreas da indústria nacional, da automobilística à indústria de brinquedos. E as intenções eram as melhores possíveis. Porque elas sempre são!

Tudo começou na ditadura, quando nossos militares quiseram construir seus próprios computadores para embarcá-los em suas fragatas. Por acharem que precisariam impedir as empresas de outros países de terem acesso aos nossos segredos militares (supostamente porque isso era algo que pudesse ameaçar nossa soberania nacional), nascia a ideia da reserva de mercado para fabricantes nacionais de tecnologia.

Essa ideia entrou em vigor no dia 29 de outubro de 1984, com a primeira Lei da Informática, a Lei Federal nº 7.232/84, que durou exatos oito anos. Aos olhos de hoje, é muito fácil julgar o que houve naquela época, assim como é possível observar as consequências positivas e negativas.

De negativo, tínhamos os valores dos equipamentos nacionais. Três, quatro e por vezes cinco vezes acima dos similares estrangeiros. Coisa que, curiosamente, em alguns segmentos da informática ainda insistem em existir. Além disso, como dito anteriormente, o atraso de toda a nossa indústria foi uma das consequências diretas da lei. Uma vez que novas tecnologias não entravam e as tecnologias nacionais não davam conta de absorver toda a demanda, industrias como a automobilística e têxtil amargaram um grande atraso em inovações tecnológicas.

Pessoalmente, penso que o pior de todos os efeitos negativos foi a cultura da pirataria. Uma vez que era mais fácil para as empresas nacionais copiarem projetos feitos lá fora do que produzir as suas pesquisas, durante anos tivemos situações constrangedoras de quebras de patentes. E até hoje ainda se encontram pessoas que não respeitam o direito de propriedade intelectual, não somente na área da informática, mas em toda a área de entretenimento (música, filmes, jogos, e afins).

Mas nem tudo foi tão ruim assim. Graças, em parte, a essa política de proteção, hoje temos o mais moderno sistema financeiro do mundo, além de sermos o único país da América Latina a ter uma fabricação nacional de PCs. Dito “em parte”, porque tem muita gente que fala que isso tudo aconteceu “apesar da Lei” e não “por causa dela”.

O fato é que hoje não somos mais insipientes como no passado. Hoje temos uma indústria muito mais preparada para o enfrentamento do que tínhamos. Temos um sólido parque de hardwares e uma forte formação de profissionais capacitados a produzir soluções de softwares, de serviços e inovações. Não tenho dúvida que nossa participação nesse acordo seria muito positiva por vários aspectos.

Curiosamente, já há algum tempo, preparamos nossos alunos para essa realidade, citando incansavelmente que os concorrentes não estão aqui, mas sim, do outro lado do mundo – e que devemos estar preparados para um mundo globalizado, onde a inovação pode ocorrer em qualquer lugar do planeta. A simples superação de nossos compatriotas não pode ser nossa meta. Devemos pensar em como superar os asiáticos, os norte-americanos, os europeus, enfim.

É no ambiente acadêmico que, historicamente, se fazem as grandes mudanças dos paradigmas. Quem sabe um dia, possamos olhar para o nosso passado e vermos o dia de hoje como uma oportunidade de, apesar de não sermos contemplados com o acordo da OMC, gerarmos inovações tecnológicas de ponta.

* Rafael Pereira Dubiela é coordenador do curso de Jogos Digitais do Centro Tecnológico (CT) Positivo.