Em sua busca constante por novos produtos e serviços para gerar receita e mais opções para os clientes, os bancos têm visto nos criptoativos uma das respostas mais promissoras para esses anseios. No estudo “Desmistificando a Adoção da Implementação de Cripto e de Ativos Digitais e os Riscos para os Bancos”, especialistas da Capco, consultoria global de gestão e tecnologia financeira que integra o Grupo Wipro, analisam o cenário de implementação de criptoativos pelas instituições financeiras tradicionais e apresentam caminhos para simplificar esse processo.
Um dos pontos que o estudo indica é que os bancos tradicionais tendem a tratar ações ligadas a criptoativos como um projeto clássico de mudança e tentam calcular retornos e benefícios. Mas, como esse segmento ainda é muito novo e muda com frequência, a implementação precisa ter um foco grande na orquestração de diversas áreas, com as de negócios e tecnologia sendo cruciais na definição dos casos de uso viáveis.
Os criptoativos têm brilhado aos olhos de um número crescente de investidores em anos recentes, mas têm passado por crises que despertaram mais cautela tanto para quem usa, quanto para quem cria esses produtos. O chamado “inverno cripto” começou no final de 2021 com a queda nos preços das criptomoedas, depois de meses de recordes sucessivos. Ao longo de 2022, essa queda contribuiu para colapsos como o da stablecoin Terra USD (criptomoeda que teria um lastro para manter um valor pareado ao do dólar), seguidos da implosão do mercado de NFT, os tokens não-fungíveis, a liquidação do fundo de hedge cripto baseado em Cingapura Three Arrows Capital e a quebra de empresas como Celsius, BlockFi e FTX, essa última até então a segunda maior exchange de criptos do mundo. Paralelamente houve rodadas de perdas de empregos.
Mas, esses acontecimentos, assim como crises financeiras passadas de empresas do mundo tradicional como Enron e Lehman Brothers, deixaram lições importantes sobre a necessidade de impulsionar melhorias nos processos e na estabilidade financeira. “Olhando à frente, vislumbramos uma clara oportunidade para os bancos regulados assumirem a propriedade e a liderança neste espaço, alavancando suas cadeias de valor, escala, atividades regulamentadas, status de confiáveis e governança forte”, acredita Alexandre Bueno, gerente sênior da Capco e head do Capco Digital Lab São Paulo. “Esse mercado está crescendo rapidamente e inovando continuamente, mas os projetos de criptomoedas e ativos digitais de instituições financeiras tradicionais só irão decolar quando se estabelecer uma compreensão profunda dos riscos inerentes a esses produtos”, destaca Bueno.
De acordo com executivo, os bancos tradicionais precisarão alavancar seus portfolios de criptoativos com base em uma sólida gestão de riscos e serviços personalizados para sanar as necessidades do cliente. Mas, ao mesmo tempo, mantendo o foco em seu roteiro estratégico. “O crescente ecossistema fintech B2B é a principal porta de entrada para facilitar as ambições do setor bancário de aproveitar as oportunidades de criptomoedas e ativos digitais”, completou.
De acordo com Bueno, os participantes do ecossistema estão bem-posicionados para apoiar os bancos nessa transformação e na implementação de soluções para que conquistem uma fatia significativa do mercado. Por outro lado, os bancos precisam ficar atentos ao fato de que a entrada em vigor de regulações, como a Lei 14.478/22 que o Congresso brasileiro aprovou no final do ano passado e que entra em vigor em junho próximo, devem aumentar a concorrência no segmento. A lei trata da regulação das empresas fornecedoras de serviços ligados a criptoativos. Já as regras detalhadas devem começar a ser divulgadas nos próximos meses.
Os principais desafios para os bancos para implantação de ativos digitais e os caminhos para superá-los são:
1) Roadmap para projetos de novos negócios
É importante que a implantação de projetos de ativos digitais seja feita dentro de uma complexidade multifacetada com uma estratégia de roteiro que possa ser aplicada em casos de usos viáveis. O motivo é que essa ainda é uma indústria relativamente imatura e em constante mudança, que pode não trazer resultados imediatos e óbvios para as instituições financeiras. Após a quebra da FTX, a preocupação de garantir a confiança dos usuários passou a ser primordial, juntamente com investimento em governança e transparência nas atividades. Em projetos do tipo na Suíça e Liechtenstein, por exemplo, bancos regionais foram ativos nas fases iniciais de implantação de criptoativos nos últimos dois anos, com uma aceleração acentuada no final de 2021 e início 2022 e recalibração frente ao “inverno cripto”. Nesta fase, as instituições oferecem produtos e serviços com exposições e pontos de entrada limitados, como criptoativos regulamentadas, dentre eles fundos como ETPs e contratos futuros e de opções. Essa abordagem ajuda a promover a tração interna e do cliente, permitindo que o banco construa experiência e um histórico com essas novas ofertas.
2) Tecnologia de plataforma de ativos e boa infraestrutura
Com a proliferação acelerada de plataformas de criptomoedas e de ativos digitais, ao lado da explosão de moedas disponíveis (o site CoinMarketCap listou mais de 8 mil criptomoedas recentemente, embora esse número seja às vezes contestado e o bitcoin detenha uma participação de mercado de quase 45%), cerca de 10 Exchanges Centralizadas (CEXs) dominam o mercado. Essas plataformas exigem que os usuários depositem criptomoedas em uma conta para poderem negociar os ativos e oferecem meios aos clientes para converter seus ativos digitais em moeda fiduciária. Também fornecem negociação, custódia e facilidades para outros ativos digitais como stablecoins e NFTs, mas ainda existem CEXs que operam sem supervisão regulatória e a maioria é estabelecida em jurisdições que impõem regulamentações mínimas. A tecnologia de registro distribuído-DLT/blockchain usada para os criptoativos fornece suporte para várias aplicações bancárias em finanças tradicionais e digitais. Os bancos devem avaliar qual delas é mais adequada para seus objetivos estratégicos.
3) Projeto de Modelo Operacional, Interoperabilidade e Regulação
Modelos operacionais bancários tradicionais enfrentam processo técnico e deficiências funcionais ao integrarem criptoativos devido a problemas de interoperabilidade com blockchain. Isso porque não são adaptados para executar dados dessas moedas digitais. Por isso, camadas de integração são necessárias. Além disso, a integração do cliente de cripto é complicada porque os processos e ferramentas de conformidade tradicionais são insuficientes para avaliar e controlar os riscos relacionados. Muitas vezes, são necessárias análises forenses para determinar a propriedade de criptos para rastrear e prevenir transações arriscadas, incluindo lavagem de dinheiro, violação de sanções e financiamento de terrorismo. A estrutura regulatória está sendo construída aos poucos no mundo A lei brasileira 14.478/22 é um exemplo, assim como a que a Suíça implementou em 2021 para colocar proteções e promover a inovação em blockchain e criptoativos.
4) Opções de Custódia Confiáveis e Gerenciamento de Chaves
A custódia de ativos digitais é única devido às chamadas chaves privadas, tipos de senhas que o dono dos ativos ou os custodiantes usam para acessá-los. Esse ecossistema inclui empresas cripto nativas e fintechs que em geral fornecem tecnologia e soluções de infraestrutura para instituições que desejam fornecer e/ou administrar seus próprios serviços de custódia. Assim como acontece com os ativos tradicionais, a custódia de ativos digitais é necessária para garantir que possam ser armazenados e negociados de maneira segura e confiável. Os custodiantes de cripto qualificados geralmente oferecem uma solução inicial que se conecta diretamente a contas de carteira omnibus (coletivas) e/ou segregadas, onde os bens são salvaguardados.