Futuro dos Correios depende de investimentos privados

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Constante declínio do volume de correspondências e crescimento do e-commerce ampliam necessidade de modernização e ganho de eficiência em um mercado altamente competitivo

Com o objetivo de preparar o setor postal para um cenário de intensa transformação e inovação, a Fase 1 dos estudos de desestatização da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) promoveu um profundo diagnóstico do mercado global, com análises em mais de 19 países. Iniciado em agosto de 2020 pelo Consórcio Postar, formado pela consultoria Accenture e pelo escritório Machado, Meyer, Sendacz, Opice e Falcão Advogados, o estudo busca alternativas para destravar a geração de valor no setor postal brasileiro sob a coordenação do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Social).

A Fase 1 concluiu que a rápida digitalização das relações sociais e de consumo impulsionam mudanças significativas nos serviços postais, em que sairão vencedoras as empresas que conseguirem responder rapidamente aos novos hábitos da população. Para reposicionar os Correios no mercado, os estudos indicam a necessidade de investir, em média, R﹩ 2 bilhões por ano na próxima década. Isso representa um significativo aumento do atual patamar de investimentos, de R﹩ 300 milhões ao ano, e inviabiliza a continuidade do modelo atual, ainda mais em um cenário de pressão fiscal, consequência de diversos fatores como a pandemia da Covid-19.

O diagnóstico do setor postal internacional e brasileiro buscou compreender a atual dinâmica de mercado, identificar tendências e oportunidades para a ECT se posicionar e crescer em um cenário de muita competitividade.

Impactos do e-commerce

A principal tendência detectada nesta primeira fase aponta o contínuo crescimento global do segmento de encomendas – média de 54% entre 2014 e 2019 -, movido pela digitalização da economia e pela demanda do e-commerce. Em contrapartida, a queda no volume de correspondências variou de 9% a 37% no mesmo período em operadores de países como Estados Unidos, Alemanha e Austrália.

O setor postal brasileiro acompanha esse cenário, com 15% de alta no faturamento com encomendas entre 2015 e 2019 – a ECT apenas 12%. No entanto, o impacto para os Correios é alarmante, tendo em vista que a estatal detém o monopólio apenas em correspondências, em forte declínio, com queda de 28% no mesmo período. Quando analisados os últimos cinco anos, a queda no Brasil chega a 40%, a maior redução comparada com os outros países contemplados no estudo. Na Dinamarca, considerado o país mais digitalizado do mundo, a Postnord já teve seu volume de correspondências reduzido em cerca de 90%.

Com o fim da comunicação impressa, o serviço postal deixa a natureza pública social e ganha cada vez mais espaço na economia, onde a eficiência e a qualidade das operações privadas são diferenciais. Os Correios precisam de investimento privado para sobreviver em um mercado altamente competitivo e atender as demandas do deste cenário.

Setor postal é reflexo dos novos hábitos de consumo

O desejo do consumidor de ter a mesma experiência da loja física em casa, ou seja, comprar e receber sem pagar frete e poder devolver um produto com facilidade cresce diariamente. Por isso, as preferências nas compras on-line giram em torno, principalmente, de velocidade na entrega, transparência, custo, conveniência e flexibilidade. Com as compras on-line se tornando rotineiras, inclusive com itens de mercearia, os serviços de entrega rápida (same day express) são opções estabelecidas e fazem parte da expectativa dos consumidores. As restrições causadas pelo Covid-19 também colaboram para que mais pessoas passem a comprar a partir de suas casas e o estudo indica um crescimento de 160% nas compras de comércio eletrônico por usuários novos ou de baixa frequência na comparação com o cenário antes da pandemia.

A frequência com que as pessoas têm comprado pela internet deve aumentar, inclusive, nas grandes empresas de varejo. De acordo com o estudo da Accenture, a participação no volume de vendas global cresce 2% ao ano e pode representar 22% do total até 2023. Esse cenário impulsiona os investimentos das empresas do setor em logística e parcerias com startups para desenvolver uma experiência completa, da compra à entrega (end-to-end), e uma base de clientes satisfeitos. Essas startups têm foco em entregas de última milha, alavancando a economia compartilhada e a força de trabalho sob demanda. Suas principais vantagens em relação às empresas tradicionais e, principalmente à uma estatal como a ETC, são estruturas mais enxutas e de baixo custo, alavancagem de tecnologias, modelo de operação e gestão ágeis e força de trabalho flexível, além não ter qualquer amarra característica de uma empresa pública.

Como resposta aos desafios descritos, os operadores postais internacionais buscam reagir com ações em duas principais frentes:

• Melhoria da experiência do cliente e expansão das receitas: iniciativas feitas para adequar às mudanças no perfil da demanda, como soluções de entrega de última milha, digitalização de plataforma, capacidades de entrega no mesmo dia e logística internacional.

• Evolução do modelo operacional e investimento em tecnologia para ganho de eficiências: utilização de tecnologias digitais viabilizadoras de transformações operacionais como analytics, inteligência artificial, automatização de processos e robôs, IoT e blockchain em iniciativas de rede de atendimento, capacidade de armazenagem e triagem, modelos de entrega, força de trabalho e funções de suporte.

Concorrência e desafios

No Brasil, vemos investimentos dos gigantes do e-commerce na verticalização da cadeia e de startups para redução nos prazos de entrega. Enquanto os Correios investem, em média, R﹩ 300 milhões por ano, só um potencial concorrente divulgou o plano de investir R﹩ 10 bilhões apenas em 2021. Os grandes varejistas também preveem investir mais em logística ao longo do ano para reduzir prazos de entrega de produtos próprios.

Quanto aos desafios operacionais percebidos pelos operadores postais dos países selecionados e do Brasil temos quatro principais aspectos relevantes para a definição da estratégia futura dos Correios:

• Baixo crescimento de receitas entre todos os operadores postais apesar da migração do mix para encomendas;

• Redução das margens operacionais – maiores custos de entrega para encomendas expressas;

• Crescente necessidade de investimentos para modernização e expansão da capacidade instalada;

• Iniciativas de melhoria da experiência do cliente e evolução do modelo operacional, bem como investimento em tecnologia para ganho de eficiência.

Fatos e Números

1) Crescimento dos Correios

• A receita cresceu em média 1,7% por ano entre 2015 e 2019, três pontos percentuais abaixo da inflação no período;

• Em 2019, a receita com correspondências representou 43% da receita total:

– 22% no produto FAC (destinado às pessoas jurídicas, serviço de postagem de grandes volumes de cartas simples e registradas);

– 11% no produto Cartas (soluções de comunicação para o envio de mensagens particulares, sociais e comerciais, para pessoas físicas e jurídicas);

– 10% em outros produtos como Malote;

– Os maiores clientes dos Correios em correspondências (25% da receita em correspondências) são bancos, empresas de telecomunicações, cobrança, crédito e financeira, além do governo;

• O ticket médio das correspondências cresceu 11% ao ano, e esse crescimento foi mais intenso nas regiões Norte e Nordeste e nas cidades com menos de 100 habitantes;

– Por região: o ticket médio cresceu 35% no Norte, 31% no Nordeste, 7% no Centro-Oeste, 10% no Sudeste e 16% no Sul;

– Por tamanho de município: o ticket médio cresceu 7% em municípios com mais de 1 milhão de habitantes, 13% em municípios entre 100 mil e 1 milhão de habitantes, 20% em municípios entre 20 mil e 50 mil habitantes e 33% em municípios com até 20 mil habitantes;

• O volume de correspondências postadas caiu 13% entre 2018 e 2019, e 28% entre 2019 e 2020, acumulando uma redução de 57% desde 2015;

• Nos países analisados em que não há monopólio para correspondência, o market share do operador postal é, em média, de 79%. Caso os Correios tenham seu market share reduzido para esse valor, estima-se uma redução de 15% no faturamento de correspondências;

• O volume de encomendas transportadas pelos Correios cresceu menos que o mercado nos últimos anos. Enquanto os Correios cresceram 7% entre 2018 e 2019 e 10% entre 2019 e 2020, o volume de encomendas no Brasil tem crescimento estimado em 15% entre 2018 e 2019 e 16% entre 2019 e 2020. Dessa forma, o market share dos Correios em encomendas caiu de 47% em 2015 para 43% em 2019;

• A receita em encomendas correspondeu, em 2019, a 50% da receita dos Correios:

– 23% no produto Sedex (entrega da linha Expressa, com prazos de D+1 a D+5);

– 22% no produto PAC (entrega da linha Standard, com abrangência em todo território nacional com o menor custo. Prazos entre D+1 até D+10);

– 5% de outros produtos como logística reversa;

• Os maiores clientes dos Correios em encomendas (61% da receita) são grandes empresas de e-commerce;

• A receita com outros produtos como Logística e Mala Direta correspondeu à 7% do total;

• Entre 2018 e 2019, o ticket médio de encomendas teve pouca variação em todas as regiões e tamanhos de municípios:

– Cresceu 4% no Norte, 1% no Nordeste, 2% no Centro-Oeste, 1% no Sudeste e não variou no Sul;

– Cresceu 2% em municípios com mais de 1 milhão de habitantes, reduziu 1% em municípios entre 100 mil e 1 milhão de habitantes, cresceu 1% em municípios entre 20 mil e 100 mil habitantes e não variou em municípios com menos de 20 mil habitantes;

2) Performance Operacional

• Acúmulo de prejuízo de R﹩ 2,5 bi nos últimos cinco anos;

• Passivo trabalhista e previdenciário (R﹩ 8 bi) equivale a 80 anos do lucro de 2019 e 25 anos da média dos lucros entre 2017 e 2019;

• Os Correios possuem despesas administrativas, de vendas e gerais que representaram 28,5% de sua receita em 2019, enquanto as despesas dos operadores postais pesquisados representam, em média, 14%;

• Segundo pesquisa de satisfação com o cliente em 2019, os Correios possuem nível de satisfação menor que seus competidores. Enquanto 75% dos entrevistados estão “satisfeitos” ou “muito satisfeitos” com os Correios, 89% estão “satisfeitos” com os competidores;

• Em 2019, considerando todos os custos diretos (não inclui despesas com vendas e administrativo), 5199 municípios tiveram custos maiores do que as receitas geradas, com déficit anual de R﹩ 3 bilhões;

• Em 2019, as agências franqueadas tiveram receita com encomendas cinco vezes maior do que as agências próprias. A partir de entrevistas foi identificado que, tipicamente, os franqueados visitam os potenciais clientes para prospecção, e tem mais liberdade de estabelecer parcerias e atendimentos diferenciados para clientes com necessidades específicas. Para agências próprias, as padronizações internas muitas vezes limitam potenciais ações;

• Os Correios investiram anualmente R﹩ 300 milhões, em média, nos últimos cinco anos, equivalente a 2% da receita, enquanto os pares, com receita média de R﹩ 22 bilhões, investem, em média, 6,4% de suas receitas;

• Entre 2015 e 2020, os Correios receberam em torno de R﹩ 2 bilhões de benefícios (descontos) gerados pela imunidade tributária por meio dos seguintes impostos:

– IRPJ: Atividades sobre todas as receitas;

– ICMS: Produtos para revenda e serviços de telemáticos (Apenas para o DF e Pará); e Serviços de transporte;

– ISS: Todas as receitas de serviços;

– IPVA: sobre todos os veículos imobilizados da empresa;

– IPTU: sobre os imóveis da empresa;

• De 2014 para 2019, o número de objetos (tanto correspondências quanto encomendas) postados anualmente por funcionário caiu de 70 mil para 45 mil, uma queda de 36%. Os pares analisados distribuíram em 2019, em média, 93 mil objetos por funcionário;

• De 2015 para 2019, os custos e despesas operacionais reduziram um acumulado de 7,4%, enquanto de 2019 para 2020 essa redução está estimada em 7,5%;

3) Mercado internacional e desestatização

• Todos os países analisados definem o Serviço Postal como um serviço público, em alguns casos operados por uma estatal e outros pela iniciativa privada;

• A garantia de acesso universal ao serviço postal permaneceu após a liberalização, e os Governos estabeleceram mecanismos para designar ao menos um operador, incluindo ou não compensação financeira;

• 7 dos 10 países analisados (Portugal, Reino Unido, Malásia, Áustria, Japão, Itália e Argentina) que venderam participação das empresas postais buscavam alívio financeiro nas contas públicas;

• 3 de 10 países (Bélgica, Alemanha e Holanda) que venderam/vendem participação nas empresas buscavam primordialmente a modernização da empresa e acelerar a expansão internacional das operações;

• Com exceção do Reino Unido, os países venderam a operação postal completa;

• 100% dos países decidiram liberalizar o mercado de correspondência de maneira gradual;

• A duração média entre as primeiras medidas até a liberalização total do setor de correspondências é de 10 anos (mínimo de 6 e máximo de 14);

• A desestatização é mais rápida que a liberalização do mercado, tendo duração média entre as primeiras medidas em direção à privatização e a execução da venda de ações de 4,3 anos (mínimo de 1 anos e máximo de 10);

• O modelo de venda mais utilizado foi através da bolsa de valores, sendo 8 de 10 processos com mais de uma rodada. 3 países assumiram países passivos trabalhista antes do leilão;

• Após a desestatização, em média, os operadores postais apresentaram crescimento de 14% da receita e 2,4 p.p. da margem EBITDA, e elevaram o patamar de investimentos em 22%;

• 3 de 10 países assumiram parte dos passivos trabalhistas para dar tração ao processo de desestatização (ex.: Alemanha continuou a contribuir para o fundo de pensão dos funcionários, mesmo após a privatização);

• 6 de 10 países beneficiaram os empregados com ações em condições mais vantajosas que o mercado (ex.: Alemanha criou uma reserva inicial de 15% das ações para os funcionários);

• Apesar da melhoria da performance, as percepções das desestatizações pelos clientes, empregados e governo variaram bastante entre os países:

– 40% dos operadores desestatizados tiveram percepção positiva dos clientes, 20% neutra e 40% negativa;

– 20% dos operadores desestatizados tiveram percepção positiva dos funcionários, 40% neutra e 40% negativa;

– 50% dos operadores desestatizados tiveram percepção positiva do governo, 30% neutra e 20% negativa;

Resultados da Fase 1

O resumo completo dos resultados da Fase 1 dos estudos de desestatização do setor postal brasileiro está disponível no site no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do Governo Federal.

Fase 2: estudos aprofundados

Enquanto, na fase 1 do projeto, foram elaborados estudos de mercado, diagnóstico setorial nacional e internacional, estudo regulatório e proposição de alternativas de parcerias, nesta fase 2 será aprofundado e detalhado o modelo a ser adotado para a liberalização e desestatização do setor postal, a partir das alternativas aprovadas pelo Conselho do Programa de Parcerias de Investimento (CPPI). Para desenvolver os estudos dessa fase, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) realizou um processo seletivo vencido pelo consórcio Carta Brasil, formado pela KPMG e pela Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.

É nesta fase que será feita avaliação econômico-financeira dos Correios, após uma rigorosa due diligence contábil e jurídica da empresa, que servirá de apoio à modelagem da concessão do serviço postal. O modelo final que será submetido novamente ao CPPI deverá considerar o atendimento universal do serviço postal em todo o território nacional brasileiro e a melhoria na qualidade do atendimento aos clientes, entre outras premissas. Os estudos finais devem ser finalizados até o início de setembro.